Patagonia, Inc.: bora salvar o planeta?
A Patagonia completa 50 anos neste ano, e aqui está uma empresa que merece ser estudada.
Produtos para esportes de aventura que são inovadores na funcionalidade e impacto ambiental, funcionários que vivem e transparecem o propósito da empresa, e uma ambição apaixonante: salvar o planeta. Eu sou cliente fiel da marca, sempre visito uma das lojas quando nos EUA, e não me canso de estudar e referenciar a Patagonia como benchmark de criação de marca que genuinamente vem de dentro para fora. Apesar de eu trabalhar e ser apaixonado por tecnologia e venture capital, a Patagonia não é nem de tech e tampouco recebeu aporte de venture capital. Ao contrário, é uma empresa de produtos físicos que nunca recebeu aporte de capital externo e mantem até hoje a sua cap table limpa, o que permitiu independência na tomada de decisão e ações bastante radicais. Aqui está um belo exemplo de capitalismo consciente.
Se você está no corre e quer só o resumo:
Fundada em 1973 por Yvon Chouinard, um entusiasta da escalada e alpinismo, a Patagonia inicialmente chamava-se Chouinard Equipment, fabricando principalmente ferramentas de escalada, como pitons. Chouinard percebeu o impacto ambiental negativo desses produtos e decidiu adotar uma abordagem mais sustentável. Assim, a empresa foi renomeada para Patagonia, inspirada na região homônima conhecida por sua natureza selvagem e remota, simbolizando a busca por aventura e preservação ambiental.
Sua proposta de valor é oferecer produtos de qualidade fabricados de maneira sustentável e ética. A empresa também possui um programa de reparos, incentivando os clientes a consertarem seus produtos em vez de substituí-los, visando prolongar sua vida útil e reduzir o desperdício.
A Patagonia é o equivalente àquela pessoa segura de si que fala o que pensa, vive seus valores e dá conta das consequências de seu discurso e ações. Suas narrativas publicitárias desafiam as convenções da indústria e abordam questões sociais e ambientais relevantes, como a campanha "Don't Buy This Jacket", de 2011. Esta campanha foi veiculada bem na Black Friday, o dia em que os americanos (e brasileiros também) piram com promoções e compram muito mais do que precisam. A Patagonia publicou um anúncio de página inteira nos jornais pedindo aos consumidores que não comprassem sua jaqueta para evitar o consumo excessivo.
Apesar de ser uma empresa privada, que não precisa publicar seus resultados, o New York Times recentemente divulgou que a empresa fatura mais de 1 bilhão de dólares por ano, gerando 100 milhões de dólares de lucro. Seu valor de mercado é de 3 bilhões de dólares, o que implica um múltiplo de valuation de 3X receita, acima da média da indústria e justificado pela fortaleza da sua marca.
Em agosto de 2022 Chouinard anunciou corajosamente que a família, detentora das ações da Patagonia, estava doando suas ações para um organização não lucrativa focada 100% em preservar o planeta. Nas palavras de Chouinard: “a cada ano, o dinheiro que ganharmos após reinvestir no negócio será distribuído como dividendos para ajudar a combater a crise climática”. Difícil encontrar empresas com um propósito tão aplicado. Nas palavras do fundador, “instead of going public, we're going purpose”, defendendo que ao invés de listarem a empresa na bolsa de valores e ter acesso a liquidez de suas ações (colocando muita grana no bolso), seu movimento é de viver na prática o propósito da empresa.
Walk the talk que fala né?
Estudar a Patagonia é sempre um prazer. Eu curto tanto a empresa que tentei trabalhar lá em 2012, quando estava fazendo meu MBA em Harvard e tinha 3 meses entre o primeiro e o segundo ano do curso, porém infelizmente eles não trabalhavam com “estagiários". Abaixo eu conto um pouco sobre a história da empresa, destaco seus movimentos controversos (e inspiradores), as lições válidas para empreendedores em geral, e recomendo materiais para quem quiser se aprofundar (e se inspirar) mais.
A origem
A Patagonia foi fundada em 1973 por Yvon Chouinard, um amante da escalada e do alpinismo. A história da Patagonia começou com a produção de ferramentas de escalada pela empresa Chouinard Equipment, que Yvon Chouinard fundou em 1957. Inicialmente, a empresa se dedicava à fabricação de equipamentos de escalada, como pitons (grampos de metal usados para proteção nas paredes de rocha) e outros itens essenciais para os escaladores.
Ao longo do tempo, Chouinard percebeu o impacto ambiental negativo causado pela fabricação de alguns dos produtos da empresa, como os pitons de aço, que causavam danos às rochas naturais. Isso levou Chouinard a repensar seu modelo de negócio e buscar uma abordagem mais sustentável.
Em 1973, a Chouinard Equipment foi renomeada para Patagonia, inspirada na homônima região selvagem e remota, que simboliza a busca por aventura e preservação ambiental. Com o novo nome, a empresa ampliou sua linha de produtos para incluir roupas e acessórios voltados para atividades ao ar livre, como alpinismo, surfe, esqui e pesca.
Desde o início, a Patagonia se destacou por seu compromisso com a proteção do meio ambiente ao longo da sua cadeia produtiva, promovendo a conscientização sobre conservação e apoiando organizações sem fins lucrativos dedicadas à preservação do meio ambiente. A empresa lançou campanhas publicitárias impactantes e iniciativas como o "1% for the Planet", no qual ela se compromete a doar 1% das vendas para causas ambientais.
A abordagem inovadora da Patagonia, combinando qualidade de produtos, compromisso ambiental e ativismo, ajudou a construir uma base sólida de clientes fieis. A empresa se tornou um exemplo de sucesso empresarial sustentável e inspirou outras marcas a adotarem práticas semelhantes, como a Allbirds (de calçados sustentáveis), Outerknown (marca de roupas do surfista Kelly Slater) e tentree (vestuário sustentável). Aqui no Brasil, eu gosto muita da Oriba, empresa que conheço bem e tenho segurança em afirmar que de fato vive o seu propósito de dentro para fora, trabalhando duro para ter uma cadeia sustentável e gerar impacto social positivo através da venda de seus produtos (nota: fui investidor e conselheiro da empresa, e sou fã na física também).
Produtos e proposta de valor
Uma visita a loja ou ao site da Patagonia te convida a sair de casa e explorar o mundo natural. Seu foco é em vestuário e equipamentos de alta qualidade, com seis linhas de produto principais:
Roupas para atividades outdoors: A Patagonia é conhecida por sua linha de roupas projetadas para enfrentar condições adversas e oferecer conforto e desempenho durante atividades ao ar livre. Isso inclui jaquetas impermeáveis, casacos isolados, fleeces, camisetas, calças, shorts e roupas íntimas técnicas.
Equipamentos de escalada: Como parte de suas raízes na escalada, a Patagonia fabrica equipamentos para escaladores, como sapatilhas de escalada, capacetes, arneses, cordas, mosquetões e outros itens essenciais para a prática desse esporte.
Roupas e equipamentos para esqui e snowboard: A Patagonia oferece uma linha de roupas e equipamentos para esqui e snowboard, incluindo jaquetas e calças impermeáveis, isolantes térmicos, luvas, gorros, capacetes e acessórios.
Roupas de surfe e natação: A empresa também produz roupas e acessórios para surfistas e nadadores, como wetsuits (roupas de neoprene), boardshorts, tops e camisetas de proteção solar.
Mochilas e bolsas: A Patagonia fabrica uma variedade de mochilas, bolsas e malas duráveis e funcionais, projetadas para acomodar equipamentos e roupas para atividades ao ar livre.
Acessórios: Além disso, a Patagonia oferece uma variedade de acessórios, como bonés, luvas, meias, cintos, cachecóis, lenços, entre outros, para complementar as roupas e equipamentos.
Sua proposta de valor é oferecer produtos de qualidade e produzidos de forma sustentável e ética, utilizando materiais reciclados, orgânicos e de origem responsável sempre que possível. A empresa também possui um programa de reparos, incentivando os clientes a consertarem seus produtos em vez de substituí-los, visando prolongar sua vida útil e reduzir o desperdício. Em 2013 eu comprei uma bolsa de viagens que em 2022 começou a soltar partes da forração interna. Numa visita a loja em San Francisco levei a bolsa e questionei sobre possíveis reparos num produto já bem utilizado e com quase 10 anos. Informaram-me que não seria possível consertar a bolsa, porém me dariam um crédito de aproximadamente $100 para usar na loja. É o discurso sendo aplicado na prática.
Narrativas que provocam
Sabe aquela pessoa segura de si que fala o que pensa, vive seus valores e dá conta das consequências de seu discurso e ações? Então, a Patagonia é o arquétipo dessa pessoa. Suas narrativas publicitárias desafiam as convenções da indústria e abordam questões sociais e ambientais relevantes, como os exemplos abaixo:
"Don't Buy This Jacket" (2011): Esta campanha foi veiculada bem na Black Friday, o dia em que os americanos (e brasileiros também) piram com promoções e compram muito mais do que precisam. A Patagonia publicou um anúncio de página inteira nos jornais pedindo aos consumidores que não comprassem sua jaqueta R2 para evitar o consumo excessivo. A campanha tinha como objetivo aumentar a conscientização sobre o impacto ambiental da produção e do consumo desenfreado.
"The President Stole Your Land" (2017): Nesta campanha, a Patagonia se opôs à decisão do governo dos Estados Unidos de reduzir o tamanho dos parques nacionais de Bears Ears e Grand Staircase-Escalante. A empresa lançou anúncios em jornais e sites com a frase "O presidente roubou suas terras" e incentivou os clientes a se envolverem e apoiarem a conservação dessas áreas protegidas.
"Vote the Assholes Out" (2020): Em antecipação às eleições nos Estados Unidos, a Patagonia lançou uma linha de produtos com a frase "Vote the Assholes Out". Embora a palavra em questão tenha sido censurada, a campanha enfatizou a importância do voto e encorajou as pessoas a elegerem líderes comprometidos com a ação climática.
"Worn Wear" (ongoing): O programa "Worn Wear" da Patagonia promove a cultura da reparação e reutilização de roupas. A empresa lança campanhas e eventos em que incentiva os clientes a consertarem seus produtos Patagonia em vez de comprarem novos. Essa iniciativa desafia a mentalidade de consumo descartável e promove a sustentabilidade.
Essas campanhas geraram controvérsias e debates, mas também chamaram a atenção para questões ambientais e sociais importantes. A Patagonia demonstra consistentemente uma postura corajosa em suas campanhas de marketing, alinhada com sua missão de causar um impacto positivo no mundo e inspirar a mudança. Para consumidores que se identificam com a causa, que nos EUA são muitos (e com alto poder aquisitivo), é um convite a se juntar a uma comunidade que compartilha os valores de aventura, exploração, coragem e sustentabilidade. Não é marketing, é um chamado para ação.
E dá lucro?
Quem conhece a marca sabe que seus produtos não são nada baratos. Ao contrário, são caros se comparados a marcas mainstream porém oferecem qualidade e durabilidade superiores. No entanto, a mágica da empresa é a sua narrativa ousada e autêntica, que fideliza usuários para sempre. Portanto, não é de surpreender que seja uma empresa que gera um caixa razoável.
Apesar de ser uma empresa privada, que não precisa publicar seus resultados, o New York Times recentemente divulgou que a empresa fatura mais de 1 bilhão de dólares por ano, gerando 100 milhões de dólares de lucro. Seu valor de mercado é de 3 bilhões de dólares, o que implica um múltiplo de valuation de 3X receita, acima da média da indústria e justificado pela fortaleza da sua marca.
Com estes números bem legais, é de se imaginar que Chouinard esteja desfrutando os resultados de 50 anos de trabalho duro e curtindo aventuras pelo mundo com sua esposa e filhos, sabendo que há dinheiro suficiente para as próximas gerações, não?
Não exatamente.
Agora, a Terra é o nosso único acionista
Se tivermos alguma esperança de um planeta próspero - e até mesmo de um negócio -, vai exigir que todos nós façamos o que pudermos com os recursos que temos. Isso é o que podemos fazer.
Eu nunca quis ser um empresário. Comecei como artesão, fabricando equipamentos de escalada para meus amigos e para mim mesmo, depois entrei no ramo de vestuário. À medida que começamos a testemunhar a extensão do aquecimento global e da destruição ecológica, e nossa própria contribuição para isso, a Patagonia se comprometeu a usar nossa empresa para mudar a forma como os negócios eram conduzidos. Se pudéssemos fazer a coisa certa e, ao mesmo tempo, pagar as contas, poderíamos influenciar os clientes e outras empresas, e talvez mudar o sistema ao longo do caminho.
Yvon Chouinard, agosto de 2022
Em agosto de 2022 Chouinard anunciou corajosamente que a família, detentora das ações da Patagonia, estava doando suas ações para um organização não lucrativa focada 100% em preservar o planeta. Assim foi criado o Patagonia Purpose Trust, cuja missão é proteger os valores da empresa. As decisões sobre o futuro da companhia ficarão a cargo do Patagonia Purpose Trust (que será gerenciado pela família), enquanto os dividendos serão destinados a Holdfast Collective, uma empresa sem fins lucrativos focada 100% em proteger os recursos naturais do planeta e lutar contra a crise climática. Nas palavras de Chouinard: “a cada ano, o dinheiro que ganharmos após reinvestir no negócio será distribuído como dividendos para ajudar a combater a crise climática”.
Difícil encontrar empresas com um propósito tão aplicado. Nas palavras do fundador, “instead of going public, we're going purpose”, defendendo que ao invés de listarem a empresa na bolsa de valores e ter acesso a liquidez de suas ações (colocando muita grana no bolso), seu movimento é de viver na prática o propósito da empresa.
Walk the talk que fala né?
O que podemos aprender com a Patagonia, resumidamente?
Narrativa que vem de dentro para fora: a motivação da empresa sempre foi fazer o bem e salvar o planeta, o que se reflete em todas as suas ações e comunicações. Isso também se traduz em pagar acima da média para todas as pessoas envolvidas em sua cadeia de valor.
Produtos premium que atendem a um nicho de mercado grande o suficiente: os produtos da Patagonia não são baratos, mas sua promessa e entrega consistente de funcionalidade, durabilidade e defesa das causas ambientais são muito valorizadas por milhões de consumidores que tendem a se tornar leais à sua marca. Os clientes não compram apenas camisetas lá, eles manifestam sua preocupação com o meio ambiente e se conectam com pessoas de mentalidade semelhante. É muito mais emocional do que funcional.
Campanhas de marketing controversas e impactantes que vêm do coração (não apenas sensacionalismo): campanhas que incentivam seus clientes a "não comprar mais do que o necessário" são comuns na narrativa da empresa. As mensagens são corajosas, provocam emocionalmente e convidam a audiência a se juntar a causa. É um convite a pertencer àquela comunidade ativa e apaixonada.
Experiência de compra única, que reflete a narrativa da empresa: os vendedores nunca vão forçar uma venda, todos parecem felizes por estar lá, o design, os materiais e a decoração da loja incentivam os clientes a viver de forma simples e aproveitar o ar livre. Como cliente, eu não quero apenas comprar produtos da Patagonia, eu quero viver os valores da Patagonia.
Não é só sobre ganhar dinheiro: fácil falar, difícil fazer. Yvon Chouinard foi lá e fez, desde sempre porém mais radicalmente o ano passado. A Patagonia nos lembra que nosso propósito na vida é muito mais do que ganhar dinheiro e viver bem. Praticar a gratidão, viver com simplicidade, abraçar uma comunidade, pensar no próximo e continuar explorando são práticas que deixam nossas vidas mais ricas e cheias de propósito.
Duas dicas para quem quer saber mais
Let my people go surfing: um livro onde Yvon Chouinard compartilha sua jornada pessoal e filosofia de negócios. Ele explora a importância de fazer negócios de forma ética e sustentável, destacando as práticas da Patagonia, como o compromisso ambiental, a responsabilidade social e uma cultura corporativa baseada em valores. É um chamado à ação para empresas adotarem uma abordagem mais consciente e uma fonte de inspiração para líderes em busca de negócios com propósito.
180 South: um documentário que segue a jornada de Jeff Johnson, um aventureiro e surfista, enquanto ele recria a lendária expedição de dois amigos, Yvon Chouinard (nosso empreendedor protagonista) e Doug Tompkins (fundador da The North Face), décadas depois. O filme aborda questões ambientais, conservação da natureza e a busca por um estilo de vida mais simples e conectado com a natureza. Com belas imagens e entrevistas inspiradoras, "180 South" explora os desafios enfrentados pelos protagonistas e a importância de preservar o meio ambiente para as gerações futuras. O documentário serve como um lembrete poderoso de que a natureza desempenha um papel fundamental em nossa vida e que devemos protegê-la.
Para fechar o artigo ainda mais inspirado a cair no mundo e construir negócios incríveis, compartilho o trailer deste documentário incrível. Bora!