O profano e o sagrado: vendas e o Galungan
Porque todos queremos vender mais, e também porque a jornada interior importa
"FELICIDADE. — Uma borboleta que, quando perseguida, parece sempre estar um pouco além do seu alcance; mas se você se sentar quietamente, pode pousar sobre você." — L. no The Daily Crescent (Junho, 1848)
Há tempo havia anotado no meu caderninho que estava na hora de escrever mais sobre vendas. De todas as dores de um empreendedor pré-Série A, as mais relevantes são a dificuldade em (1) destravar as vendas e provar product-market fit e a de (2) levantar capital (fundraising). Como eu falo de fundraising o tempo todo, me permito variar um pouco o repertório e trazer uns pitacos sobre vendas (e sua relação com fundraising, claro). Além disso, ontem foi o último dia do Galungan, o festival religioso mais importante de Bali. O Galungan é um testemunho da fé, unidade e resiliência de um povo que valoriza profundamente suas raízes culturais. Sua importância reside na maneira como transcende o tempo e o espaço, ligando as gerações passadas, presentes e futuras. Ao mergulhar no significado do Galungan, somos lembrados da beleza da diversidade cultural e da capacidade humana de encontrar significado e propósito nas tradições que nos conectam ao divino e uns aos outros. Assim, a news desta semana mescla o melhor do profano e do sagrado, o que representa bem como eu enxergo o mundo e o que aspiro para mim mesmo.
Venda para o investidor como se estivesse vendendo a um cliente senior
Semana passada, enquanto ajudava um empreendedor a amarrar e a simplificar seu pitch para investidores me vi saindo do foco múltiplas vezes. A complexidade técnica da sua narrativa me deixou perdido e confuso e tive dificuldade em resumir tudo o que ele havia me falado. Então pedi para que ele repetisse o pitch como se eu fosse o cliente, focando no problema que está resolvendo e me explicando como a sua solução é melhor do que as existentes. Não me colocando na posição de um cliente especialista, mas de um cliente senior generalista, que precisará entender o produto antes de contratá-lo. A virada de chave foi gigante. Eu entendi tudo de forma clara e consegui me colocar no papel do usuário nos primeiros minutos; as tecnicalidades foram deixadas para as perguntas de aprofundamento e os slides comerciais foram mais úteis do que os slides de fundraising, supostamente mais sofisticados e de maior valor.
Acredito que essa simples prática pode ajudar o empreendedor mais técnico que, por estar tão mergulhado na riqueza de detalhes da sua solução, tem dificuldade em falar a língua do leigo. Venda para o investidor como se estivesse vendendo a um cliente senior generalista.
Seu time de vendas precisa de incentivos, não só de curto prazo
Outro caso real interessante: conversava com a Chief Revenue Officer de uma startup bem sucedida do nosso ecossistema e ela me relatava seus principais desafios. Ela precisava trazer crescimento ao mesmo tempo em que aumentava a retenção da sua base. No seu modelo de negócios muita gente entra para o funil e converte no curto prazo, porém o churn (desistência) é alto a partir dos seis primeiros meses.
Mergulhando nas metas e incentivos do time comercial, entendemos que o time estava sendo bonificado para trazer novos usuários no curto prazo. Isso aumentava a receita imediatamente, porém havia zero incentivo a trazer os clientes com maior probabilidade de permanecerem usando a plataforma pelo ciclo completo do produto, em torno de 3 anos. De todos os times de uma empresa estruturada, nenhum reage mais fortemente a incentivos do que o comercial. Incentives drive behavior ou, no bom português, com a meta e o bônus certos você vende qualquer coisa. O problema é quando a meta foca apenas no curto prazo. Se a criação de valor real para a companhia está em atrair e manter os clientes que completarão o ciclo do produto, a meta e os incentivos devem refletir isso. O que significa que, na prática, no máximo metade do bônus deverá ser pago na atração e primeiro pagamento do cliente, e as demais parcelas deverão ser pagas à medida que o cliente renova e permanece utilizando o produto. São metas compartilhadas entre o time de vendas e pós-vendas e isso é ótimo porque alinha a empresa na direção certa. Não há dúvidas que para vender seu time de vendas precisa de uma remuneração variável parruda, porém o foco não pode ser apenas no curto prazo. Ela deve refletir a estratégia de criação de valor de longo prazo da empresa. Ainda, incentivos de médio e longo prazo importam porque o maior turnover das startups costuma estar no time de vendas onde, com frequência, executivos comerciais trocam de emprego a cada 4-6 meses; assim, deixar uma apetitosa cenoura um pouco mais a frente pode ser um ótimo mecanismo para reter vendedores inquietos e que entregam resultado.
O Galungan e a importância do sagrado
O profano e o sagrado, nada mais humano. A vida em Bali materializa esses extremos o tempo todo. Eu os sinto diariamente no trânsito pesado ao levar as crianças para a escola, no trabalho duro do povo local, e nas canang sari, as inúmeras oferendas aos deuses depositadas e realimentadas diariamente por todos os cantos da ilha. Ao dirigir minha scooter alugada meu olfato é inundado pelo cheiro de incenso doce e forte - parte das oferendas aos deuses -, que se mistura ao cheiro de fumaça de carburador de motos e carros, que se mistura ao aroma de curry delicioso quando passo na frente dos warungs. No último domingo esses aromas ficaram mais intensos em função do Galungan, o que me provocou a curiosidade para saber mais sobre esse festival e refletir sobre seu significado.
A cultura humana é um vasto e diversificado mosaico de tradições, crenças e celebrações. Uma dessas joias culturais é o Galungan, uma festividade balinesa profundamente enraizada em tradições religiosas e valores espirituais. Celebrada com fervor e entusiasmo na ilha de Bali, na Indonésia, o Galungan é um evento que transcende o calendário para se tornar uma representação da ligação entre o mundo material e o espiritual, oferecendo uma visão fascinante da cosmovisão balinesa.
O Galungan marca o ápice do calendário religioso balinês, ocorrendo a cada 210 dias, com uma duração de dez dias. A celebração é baseada no calendário pawukon, que é uma combinação única de diferentes ciclos. Durante esse período, os balineses acreditam que os espíritos de seus antepassados visitam a Terra para abençoar os vivos e trazer prosperidade. Assim, as casas e templos são ricamente decorados, e as oferendas são preparadas com esmero para receber esses espíritos.
A essência do Galungan repousa nas crenças religiosas hindus balinesas, onde a luta entre o bem (Dharma) e o mal (Adharma) desempenha um papel crucial. A festa celebra a vitória do Dharma sobre o Adharma, e essa mensagem de triunfo é refletida nas manifestações culturais e cerimoniais durante o evento. Os balineses visitam templos, oram, realizam rituais, dançam e se envolvem em atividades comunitárias para demonstrar sua devoção e reafirmar sua conexão espiritual.
A importância do Galungan transcende o aspecto religioso, estendendo-se para o tecido social da comunidade balinesa. É um momento de reunião familiar, onde parentes que moram longe retornam para celebrar juntos. A solidariedade é fortalecida, laços são reforçados e histórias são compartilhadas, enriquecendo o senso de identidade cultural e pertencimento. É uma demonstração viva da rica tradição religiosa e espiritual dos balineses. Representa uma jornada interior em direção à harmonia, ao equilíbrio e à conexão ao sagrado. Ao longo dos anos, essa celebração manteve sua autenticidade, resistindo às influências externas, e continua a ser um farol de luz para a cultura balinesa.
Todos queremos vender mais, mas também queremos nos conectar com algo maior do que apenas números, maior do que nós mesmos, e que nos dê um senso de paz, pertencimento e propósito. Pode ser através da religião, mas não necessariamente.
Obrigado por me acompanhar, boas vendas, e ótimas reflexões.
Let's hike!
Alex