Escrevo a caminho de casa, no trem de Dresden até o aeroporto de Berlim. Os últimos seis dias foram bem especiais: foi a primeira viagem em casal desde que as crianças nasceram. Fazia uns nove anos desde que eu e a Dai embarcamos para uma curtição só de adultos. O casamento pede esses momentos a dois. Embarcamos em datas separadas, com um dia de diferença, para cada um se permitir um dia sozinho, fazendo o que der na telha. A Europa tem um lugar especial em nossas memórias (vivemos mais de três anos aqui), e viajar sozinho também.
Durante os cinco dias que estivemos juntos e sem as crianças, nos comportamos como aqueles mochileiros que apreciam a arquitetura, vegetação de outono, os parques lindos e amplos e a culinária deliciosa com olhos virgens, reativando aquilo que sentimos e vivemos no passado. Caminhamos muito por Berlim atrás dos melhores cafés da cidade, conversamos livremente e sem interrupções, relembrando nossas histórias. Atravessamos a cidade para explorar uma galeria de arte moderna, fizemos nosso treino de corrida às margens do rio Spree e comemos aquilo que não encontramos no dia a dia no Brasil: vietnamita, indiano, turco.
Depois de dois dias juntos em Berlim, seguimos para Dresden, cidade que havia visitado 21 anos atrás. Há três meses me inscrevi na maratona da cidade porque buscava uma prova fria, plana e na Europa. A cidade é linda e tem ampla importância histórica, e sábado, o dia pré-maratona, aproveitamos para bater perna e explorar. Caminhamos e curtimos muito, até as pernas cansarem. Domingo foi o dia da prova: a Dai estava pronta para correr os 10 km, eu pronto para os 42 km. O dia estava lindo e a energia lá em cima. Eu me preparei bem para a prova, dei o meu melhor nos treinos, cuidei da alimentação e acreditava que tinha tudo para bater meu melhor tempo de maratona (Dresden foi minha quarta prova). Larguei com tudo, completando os primeiros 10 km abaixo do tempo que buscava. Porém, lá pelo 18 km, comecei a sentir as pernas pesarem e o estômago embrulhar pelo excesso de gel – deveria ter consumido um gel a cada 35 min, mas quis forçar um a cada 25 min para compensar a fadiga das longas caminhadas dos dias anteriores. Baixei o ritmo e não consegui voltar mais à meta de velocidade. A prova permitia que os atletas mudassem dos 42 km para os 21 km (meia-maratona) no km 19; fiquei bem tentado, sabendo que o corpo já estava dando sinais de cansaço. Mas eu havia treinado física e mentalmente para os 42 km, então terminaria a maratona completa, mesmo que me arrastando. E foi quase isso. Cãibra forte, ânsia de vômito, mal-estar geral a partir dos 25 km. Foi certamente a prova mais difícil que já fiz, e está feita. Forcei a barra, e o corpo se manifestou. Mesmo assim, a prova foi linda, e, apesar da dor, consegui apreciar a beleza dos parques, castelos e construções da cidade enquanto corria mancando. Foi muito bom ter a Dai vibrando na linha de chegada e, em seguida, deitar na escadaria do centro de convenções enquanto as pernas se contraíam involuntariamente.
Essas provas mexem com a gente. Acredito que todo maratonista ou atleta que força o limite do corpo está em busca de uma superação que transcende o físico. Vencer a dor é muito bom.
Alex
"A dor é inevitável. O sofrimento é opcional."
― Haruki Murakami, Do Que Eu Falo Quando Eu Falo de Corrida