“Os detalhes dos novos lugares me capturavam e prendiam: a imensidão das novas costas, amanheceres frios e encantadores. O mundo era incompreensivelmente vasto, e ainda havia tanto para ver. Sim, às vezes eu ficava cansado de ser expatriado, sempre ignorante, do lado de fora das coisas, mas não me sentia pronto para a vida doméstica, para ver as mesmas pessoas, os mesmos lugares, ter mais ou menos os mesmos pensamentos todos os dias. Eu gostava de me render à enxurrada, à incerteza, à serendipidade da estrada.”
— William Finnegan, Barbarian Days: Uma Vida de Surf
Foi difícil chegar até aqui. Anos sonhando, meses planejando, semanas executando as decisões e, finalmente, aqui estamos. Partimos do Brasil em julho de 23 e, depois de um mês entre diferentes lugares pelo caminho, chegamos em Bali. Viver em Bali com as crianças é um sonho que existe antes de termos filhos: visitei a ilha pela primeira vez num mochilão em 2008, depois em 2010, 2013, 14 e 15, e a cada visita me apaixonava mais pela cultura, natureza, culinária, diversidade de experiências e amabilidade do povo. Em 2013 conhecemos uma família dinamarquesa que estava vivendo um sabático por aqui, e aquilo nos inspirou. Quem sabe um dia?
Voltamos ao Brasil em 2014, após quase 9 anos morando em diferentes países. Apesar dos desafios naturais de quem (re)começa numa carreira e cidade novas, São Paulo nos recebeu muito bem, mesmo sendo cinzenta e bruta. Em 2016 veio a Aisha, em 2018 o Kai, em 2020 a pandemia, a mudança de volta a Florianópolis e, em 2023, o encerramento de um ciclo profissional que eu gostaria que tivesse durado muito mais, mas cuja decisão fugiu do meu controle. O GFC, fundo que co-liderava na América Latina, mudou de estratégia radicalmente e suas operações foram praticamente encerradas. Ah, os presentes que a vida nos dá.
Antecipando que minha vida profissional mudaria em breve, no final de 2022 comecei a ponderar como reagiria a essa mudança de maré: me reposicionar em VC imediatamente, empreender, voltar ao mundo corporativo ou tirar do papel aquele sonho de rodar o mundo em família e largar a âncora em Bali por alguns meses? Trazendo racionalidade ao processo, entendi que 2023 seria um ano difícil no mundo de venture, minha grande paixão profissional, e que portanto o custo de oportunidade estava baixo; eu não perderia muito se não estivesse ativo no ecossistema durante este período. Por outro lado, havia recém completado meus 40 anos e a sensação de finitude começava a me tocar. A vida é curta, não dá tempo pra tudo, é necessário tomar decisões difíceis para realizar os sonhos. Em janeiro decidimos que executaríamos o projeto de volta ao mundo no início do segundo semestre e aos poucos avisamos a família. Nossos pais são funcionários públicos, então desnecessário dizer que ninguém entendeu nada e todos ficaram chocados. Minha sogra questiona até hoje se eu estou fugindo ou me escondendo de alguém, rs. Em maio de 23 me desliguei oficialmente do GFC e comecei a investir tempo e energia em criar conteúdo relevante a empreendedores do pre-Seed ao Série A enquanto pesquisava passagens, escolas, acomodações e roteiros. Em paralelo, organizávamos o que fazer com nossa casa, onde guardar as tralhas, como lidar com a educação das crianças no retorno ao Brasil e orçamentos. Que fase gostosa!
Julho chegou e com o coração apertado, apreensão, empolgação e lágrimas nos olhos nos despedimos de pessoas queridas, da casa que compramos e reformamos em 2021 e pela qual somos apaixonados, e da linda Ilha da Magia. Acho que tenho uma coisa por ilhas, pois troquei (temporariamente) a Ilha da Magia (Floripa) pela Ilha dos Deuses (Bali).
A vivência em Bali tem sido incrível. Acho que só nos daremos conta dos aprendizados quando tivermos de volta em casa, na zona de conforto. Num outro artigo compartilharei os aprendizados da jornada, mas hoje quero registrar como o cérebro humano é traiçoeiro. Cada dia aqui é especial, são momentos raros, escassos. Não será simples voltar para cá e replicar o desenho que montamos com a educação das crianças, nossos compromissos profissionais e toda a vida que roda em paralelo no Brasil, além de que a logística até a Indonésia não é trivial. Mas está chegando ao fim, temos mais uma dezena de dias por aqui seguidos por algumas semanas pela Austrália, Nova Zelândia e Chile. Quero desfrutar cada segundo dessa reta final, mas à medida em que aumento minhas interações e trocas com o Brasil discutindo projetos futuros de longo prazo, meu cérebro quer me tirar daqui.
O fuso horário é um dos maiores desafios para quem quer viver pelas bandas de cá e se manter conectado ao Brasil. O horário de Bali está 11 horas à frente de Brasília, então faço a maioria das minhas conversas entre 18:00 e 22:00hrs, antes de ir dormir, quando é ainda manhã no Brasil. Resultado: vou para cama com um turbilhão de ideias na cabeça, o que está atrapalhando a qualidade do meu sono. Acordo já ansioso para ler as mensagens que recebi enquanto o dia corria no Brasil, o que leio e endereço rapidamente. Começo o meu dia e se o mar estiver favorável, o surf me traz ao presente. Na água, remando contra a corrente e observando o swell chegar no horizonte, me sinto aqui novamente; sem o celular e distante de qualquer tela, respiro mais profundamente o ar úmido e quente e sinto o sabor da água salgada na boca. Na volta para casa observo o lixo plástico acumulado na beira da praia e em partes da estrada; hoje isso me incomoda mais do que de costume. Sorte que na próxima esquina respiro fundo novamente e sinto o cheiro de incenso que emana de oferendas recém ofertadas - elas estão por toda a parte, e isso é tão único daqui. É mágico. Chego em casa, dou um check no celular e leio mensagens que mexem comigo: parte de mim já quer estar de volta na minha outra casa, do outro lado do planeta. Como assim?
Sempre tive dificuldades com estas fases “in between", estes momentos entre mudanças importantes onde não estou nem aqui nem lá. É como aqueles dias de mudança de estação: nem verão, nem outono; calor para o casaco, frio para a camiseta; já dá saudades do verão, mas há a antecipação pelo friozinho. A maturidade ajuda a reconhecer o problema, mas (ainda) não ajuda a saber como endereçá-lo com maestria. Compartilho este momento com um amigo, que me envia uma bela reflexão de Mario de Andrade para me alentar (abaixo). Por um lado, eu quero viver o simples e o essencial, aqui e agora; por outro, os projetos que me enxergo abraçando trazem motivação e alimentam sonhos grandes em outras direções. A contradição está no fato de que o que vivo hoje era sonho grande até pouco tempo atrás. Qual o sentido de correr atrás de um sonho grande após o outro se não consigo desfrutar plenamente daquilo que lutei para alcançar? Ah, o ser humano, nunca satisfeito com o que tem.
Sei que não estou sozinho, então coloco o meu chapéu de ex-farmacologista e cientista e dou uma fuçada online para entender o que a neurociência pode me oferecer de consolo. Bom, diversos mecanismos neurobiológicos contribuem para esse meu comportamento:
1. Sistema de Recompensa: O cérebro possui um sistema de recompensa intrincado, ativado pela conquista de objetivos e pela obtenção de recompensas. Esse sistema libera dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer e à motivação. Essa "onda" de prazer, no entanto, é passageira, levando à busca por novas recompensas para reativá-la: um exemplo clássico é o “scrolling” no insta, que simula o mecanismo viciante das máquinas “caça-níqueis” dos casinos.
2. Adaptação Hedônica: Com o tempo, tendemos a nos adaptar às novas realidades, incluindo as conquistas. Isso significa que o nível de felicidade proporcionado por um novo objetivo tende a diminuir com o tempo, exigindo novos objetivos para manter o mesmo nível de satisfação. Enough is never enough. Me recuso a ser um eterno insatisfeito, a vida seria muito chata se me permitisse ser assim.
3. Aversão à Perda: A neurociência também aponta para a aversão à perda como um fator importante. O medo de perder algo que já conquistamos pode ser mais intenso do que a alegria de conquistar algo novo. Isso nos motiva a buscar continuamente novas conquistas para garantir que não percamos o que já temos. É o caso do “insecure overachiever", aquela pessoa que não se cansa de provar o seu valor e que precisa continuamente de mais reconhecimento. Me identifiquei.
4. Comparação Social: A comparação social com amigos, familiares e figuras públicas alimenta a busca incessante por mais. Ao vermos o sucesso dos outros, distribuído através de narrativas frequentemente falsificadas pelo insta e tiktok, bate aquela pressão para alcançarmos o mesmo nível de sucesso ou superá-lo. Tento me blindar limitando o uso das redes sociais com disciplina; frequentemente dá certo, às vezes eu falho. A execução da disciplina é como atividade física: quanto mais se pratica, melhor fica, mas não dá para parar nunca.
OK, me dou conta que estou sendo humano, demasiadamente humano. Todavia, sei que dá para ser melhor, para viver melhor. Uma refeição lenta num restaurante que eu adoro, na companhia da minha parceira de tantos anos, nos leva a uma revisita a todos os hotéis, barcos, casas, trens, barracas e aviões que passamos até agora; falamos também sobre os medos que tínhamos antes de partir e como todos eles se mostraram exagerados; relembramos porque decidimos estar aqui e nos recordamos de outras aventuras passadas, quando voltávamos para casa ansiosos para saber tudo que o que havíamos perdido durante o período que estávamos fora e, depois de duas semanas, percebíamos que quase nada havia mudado. Esse almoço me trouxe ao presente novamente: ganho perspectiva, acalmo meu ego e sinto gratidão.
Eu posso esperar, devo esperar, preciso esperar. O presente está aqui e agora. Para me ajudar, a previsão de ondas é favorável para os próximos dias, assim como a agenda está repleta de encontros (presenciais) com amigos queridos que conhecemos aqui: estar e conversar com pessoas queridas me aterrissa. Natureza, mexer o corpo, conexão com algo maior, conversas autênticas e profundas, transbordar o que sinto ao papel através da escrita, a vida offline: menos eu, menos ego, menos ansiedade, e mais presença.
Sonhar é bom, mas viver é muito melhor.
Let's hike!
Alex
“Contei meus anos e descobri que terei menos tempo pra viver daqui para frente do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado do que futuro. Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço. Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa. Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana: que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade. O essencial faz a vida valer a pena. E para mim, basta o essencial!”
Mario de Andrade
Que texto tão verdadeiro. ✨
Alex
Eu aqui no auge dos meus quase 41 anos, filha ainda pequena, vivendo bem em São Paulo, na loucura do M&A e Turnaround, vítima ou não de um AVC e BurnOut por conta dos meses e anos me esquecendo que saúde vem em primeiro lugar, também só fica nas lembranças e algumas fotos meus finais de semana de surf em Camburi, Baleia, Guarujá…. ela mágico nos dias grandes …. Assim como algumas noites de jiu-jítsu ….
Bom não sei se choro ou tomo logo meu café .. e vou para mais um dia de planilhas e video calls.
Mas cara !!! Muito obrigado por compartilhar